sábado, 28 de novembro de 2015

O olhar adulto


Lá vão pelo caminho a mãe e a criança, que vai sendo arrastada pelo braço - segurar pelo braço é mais eficiente que segurar pela mão.Vão os dois pelo mesmo caminho, mas não vão pelo mesmo caminho. Blake dizia que a árvore que o tolo vê não é a mesma árvore que o sábio vê. Pois eu digo que o caminho por que anda a mãe  não é o mesmo caminho por que anda a criança.  

Os olhos da criança são como borboletas, pulando de coisa em coisa, para cima, para baixo, para os lados, é uma casca de cigarra num tronco de árvore, quer parar pra pegar, a mãe lhe dá um puxão, a criança continua, logo adiante vê o curiosíssimo espetáculo de dois cachorros num estranho brinquedo, um cavalgando o outro, quer que a mãe veja, com certeza ela vai achar divertido, mas ela, ao invés de rir, fica brava e dá um puxão mais forte, aí a criança vê uma mosca flutuando inexplicavelmente no ar, que coisa mais estranha, que cor mais bonita, tenta pegar a mosca, mas ela foge,seus olhos batem então numa amêndoa no chão e a criança vira jogador de futebol, vai chutando a  amêndoa, depois é uma vagem seca de flamboyant pedindo pra ser chacoalhada, assim vai a criança, à procura dos que moram em todos os caminhos, que divertido é andar, pena que a mãe não sabe andar por não ter os olhos que saibam brincar, ela tem muita pressa, é preciso chegar, há coisas urgentes a fazer, seu pensamento está nas obrigações de dona de casa, por isso vai dando safanões nervosos na criança... se ela conseguisse ver e brincar com os brinquedos que moram no caminho, ela não precisaria fazer análise... 

A mãe caminha com passos resolutos, adultos, de quem sabe o que quer, olhando pra frente e para o chão.Olhando para o chão ela procura as pedras do caminho, não por amor a Drummond, mas para não dar topadas, e procura também as poças de água, não porque tenha se comovido com o lindo desenho do Escher de nome Poça dágua, uma poça de água suja na qual se refletem o céu azul e os ramos verdes dos pinheiros, ela procura as poças pra não sujar o sapato. A pedra do Drummond e a poça de água suja do Escher os adultos não vêem, só as crianças e os artistas...


A mãe não nasceu assim. Pequenina, seus olhos eram iguais ao do filho que ela arrasta agora. Eram olhos vagabundos, brincalhões, que olhavam as coisas para brincar com elas... Mas aí a mãe foi sendo educada, numa caminhada igual a essa, sua mãe também a arrastava pelo braço, e quando ela tropeçava numa pedra ou pisava numa poça de água, porque seus olhos estavam vagabundando por moscas azuis e cachorros sem-vergonha, sua mãe lhe dava um safanão e dizia: "Olha pra frente, menina!"

"Olha, pra frente!" Assim são os olhos adultos. Olhos não são brinquedos são limpa-trilhos. Servem para abrir caminhos na direção do que se deve fazer. Assim eram os olhos daquela minha amiga que os usava pra cortar cebola sem cortar o dedo, até que, um dia, o olho que morava dentro de seus olhos se abriu e ela viu a beleza maravilhosa do vitral translúcido que mora nas rodelas de todas as cebolas, e ela tanto se espantou com o que via que pensou que estava ficando louca...

Coitados dos adultos! Arrancaram os olhos vagabundos e brincalhões das crianças e os substituíram por olhos ferramentas de trabalho, limpa-trilhos. Assim eram os olhos daquele meu amigo médico: não viam nem as orquídeas nem as árvores que estavam dentro de seu consultório. Seus olhos eram escravos do dever. E ele não percebia que as coisas ao seu redor eram brinquedos que pediam ao seus olhos: "Brinquem comigo! É tão divertido! Se vocês brincarem comigo, eu ficarei feliz, e vocês ficarão felizes..." (Rubem Alves)



Veja o mundo num grão de areia, 
veja o céu em um campo florido,
guarde o infinito na palma da mão, 
e a eternidade em uma hora de vida! 
(William Blake)

sábado, 21 de novembro de 2015

Como pintar um pássaro


Pinte primeiro uma gaiola com a porta aberta.
Em seguida pinte alguma coisa graciosa,
alguma coisa simples, alguma coisa bonita, 
alguma coisa útil ... ao pássaro.
Depois, coloque a tela contra uma árvore
no jardim, no bosque ou na floresta
e esconda-se atrás da árvore sem dizer nada,
sem se mexer.
As vezes o pássaro chega logo,
mas pode levar muitos, muitos anos
até se resolver. Não desanime, espere.
Espere, se preciso, durante anos.
A velocidade ou a lentidão da chegada do pássaro,
não tem a menor relação com a qualidade da pintura.
Quando ele chegar (se chegar)
 mantenha o mais profundo silêncio,
espere que ele entre na gaiola.
 Depois que entrar, feche lentamente a porta com o pincel.
Aí então apague uma por uma todas as varetas.
(Cuidado para não esbarrar em nenhuma pena do pássaro.)
Finalmente pinte a árvore, reservando o mais belo
 de seus ramos ao pássaro.
Pinte também a verde folhagem e a doçura do vento,
a poeira do sol, o rumorejo dos bichinhos
 da relva no calor da estação.
Depois aguarde que o pássaro se decida a cantar.
Se ele não cantar, mau sinal: sinal de que
 o quadro não presta.
Mas bom sinal, se ele canta: sinal de que
 você pode assinar o quadro.
Então retire suavemente uma pena do pássaro
e escreva o seu nome a um canto do quadro.
******
De Jacques Prévert (1900-1977)
Tradução-homenagem: Carlos Drummond de Andrade


sábado, 14 de novembro de 2015

Exuberância é beleza!


Hoje estou exuberante
estou poroso de poesia
como o liberto
recém saído da cadeia.
Eu canto
valorizo o sol
valorizo a chuva
valorizo o homem que passa.
Há uma graça em tudo
em tudo há uma graça
no colorido dos vestidos das mulheres
no andar das crianças
nas frutas das barracas
em tudo há uma graça
no jardim da praça
nas flores do jardim.
Hoje estou exuberante
estou poroso de poesia...
(Solano Trindade)

Oi gente! Participando do BC da Chica (39)!!

Minha frase:

Aproveite a vida torne-a exuberante e feliz!!!

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PS: Super triste e chocada com as notícias ruins na TV...
Nossa... Em Paris e aqui no Brasil...
E Chica, espero que você volte logo, viu??
Um abraço!!


sábado, 31 de outubro de 2015

Saudades...


Sinto saudades de tudo que marcou a minha vida.
Quando vejo retratos, quando sinto cheiros,
quando escuto uma voz, quando me lembro do passado,
eu sinto saudades...

Sinto saudades de amigos que nunca mais vi,
de pessoas com quem não mais falei ou cruzei...

Sinto saudades da minha infância,
do meu primeiro amor, do meu segundo, do terceiro,
do penúltimo e daqueles que ainda vou ter, 
se Deus quiser...

Sinto saudades do presente,
que não aproveitei de todo,
lembrando do passado
e apostando no futuro...

Sinto saudades do futuro,
que se idealizado,
provavelmente não será do jeito 
que eu penso que vai ser...

Sinto saudades de quem me 
deixou
 e de quem eu deixei!
De quem disse que viria
e nem apareceu;
de quem apareceu correndo,
sem me conhecer direito,
de quem nunca vou ter a 
oportunidade de conhecer.

Sinto saudades dos que se foram 
e de quem não me despedi direito!

Daqueles que não tiveram
como me dizer adeus;
de gente que passou na calçada contrária da minha vida
e que só enxerguei de vislumbre!

Sinto saudades de coisas que tive
e de outras que não tive
mas quis muito ter!

Sinto saudades de coisas
que nem sei se existiram.

Sinto saudades de coisas sérias,
de coisas hilariantes,
de casos, de experiências...

Sinto saudades do cachorrinho que eu tive um dia
e que me amava fielmente, 
como só os cães são capazes de fazer!

Sinto saudades dos livros que li 
e que me fizeram viajar!

Sinto saudades dos discos que ouvi 
e que me fizeram sonhar,

Sinto saudades das coisas que vivi
e das que deixei passar,
sem curtir na totalidade.

Quantas vezes tenho vontade de encontrar 
não sei o que...
não sei onde...
para resgatar alguma coisa 
que nem sei o que é e nem onde perdi...

Vejo o mundo girando
 e penso que poderia estar sentindo saudades
Em japonês, em russo,
em italiano, em inglês...
mas que minha saudade,
por eu ter nascido no Brasil,
só fala português, embora, 
lá no fundo, possa ser poliglota.

Aliás, dizem que costuma-se usar sempre a língua pátria,
espontaneamente quando
estamos desesperados...
para contar dinheiro... fazer amor...
declarar sentimentos fortes...
seja lá em que lugar do mundo estejamos.

Eu acredito que um simples
"I miss you"
ou seja lá como possamos traduzir
 saudade em outra língua,
nunca terá a mesma força
 e significado da nossa palavrinha.

Talvez não exprima corretamente
a imensa falta
que sentimos de coisas
ou pessoas queridas.

E é por isso que eu tenho mais saudades...
Porque encontrei uma palavra
para usar todas as vezes
em que sinto este aperto no peito,
meio nostálgico, meio gostoso,
mas que funciona melhor
do que um sinal vital
quando se quer falar de vida
e de sentimentos.

Ela é a prova inequívoca
de que somos sensíveis!
De que amamos muito
o que tivemos
e lamentamos as coisas boas
que perdemos ao longo da nossa existência...
(Clarice Lispector)

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 Eu tinha que postar este texto de novo, 
é perfeito pra participar da BC da Chica (37)....


Minhas frases:

Sinto saudades quando lembro de algo inesquecível.

Aqueles que amamos deixam saudades quando partem.

Saudades da minha mãe, pai, casa, gatinha...

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Beijos nas bochechas!

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